domingo, 30 de outubro de 2011

Eu caminhava pela sala de aula de um lado para o outro



"Eu caminhava pela sala de aula de um lado para o outro, gesticulando e falando animadamente, quando tudo aconteceu. O tema era um dos meus preferidos, as relações de poder, e só agora percebo a ironia da situação. Era como se ela tivesse escolhido aquele momento em especial para se divertir às minhas custas. Nem sei dizer o porquê de tudo ter acontecido daquela forma, tendo bastado apenas um encontro de olhares. Virei-me do quadro negro para os alunos e dei de cara com ela me olhando de um jeito diferente. Diferente como, não sei dizer, mas perdi a ação por alguns segundos, o que não passou desapercebido a ela, que sorriu triunfante.

Era linda, isso era inegável. Mas sempre olhara para ela e vira uma menina atrevida, irreverente e inteligente, que crivava o professor de perguntas sagazes e tirava dez nas provas. Nunca tinha olhado tão fundo dentro daqueles olhos pretos traiçoeiros nem tinha visto-a sorrir como mulher. Fiquei atrapalhado. Senti o rosto queimar, enquanto ela ria da minha confusão. Saí para o abrasivo sol de quase meio dia, tomei água e procurei me recompor. Minutos depois voltava à sala, e ela adquirira de novo o ar inocente, fazendo-me pensar se o ocorrido não fora criação minha, fruto do calor. Mas, encerrada a aula, ela veio me procurar, abraçando o caderno contra os seios mal contidos sob a camiseta despojada. Cumprimentou-me pela aula e disse que voltaria à noite para tirar umas dúvidas. Assenti e fiquei vendo-a se afastar. De repente, até o leve balançar dos quadris ao caminhar me parecia provocação deliberada.

Procurei deixar o acontecimento de lado, não pensar nela durante o dia todo, mas foi em vão. Quando se aproximou a hora em que ela deveria chegar, engolia em seco. Ansiava pelo próximo movimento dela, e ao mesmo tempo temia-o como à danação. Olhava a todo o momento para a entrada, esperando avistá-la, e qual não foi a minha decepção quando as horas passaram e não chegou. Dei a última aula da noite e me preparava para ir para casa, no estacionamento, quando senti uma mão pequena pousar no meu braço. Levantei os olhos, e lá estava o mesmo sorriso que me tirara o sossego havia apenas algumas horas. E parecia outra vida, mal conseguia me lembrar dela de camiseta e rabo de cavalo, mordendo a ponta da caneta. Ainda mais a olhando agora, vestida com um vestido vermelho bem curto e os cabelos escuros escorridos sobre os ombros. Os olhos pareciam ainda mais pretos e perigosos, se é que era possível.

Disfarçando a surpresa, perguntei em tom de brincadeira: “Ué, você não tinha umas dúvidas para tirar?” Compenetrada, ela respondeu que sim, sem tirar os olhos dos meus. “E quais eram?” Ela passou as mãos pelos cabelos, que teimavam em cair sobre o rosto e disparou: “Quero saber, professor, se você quer me beijar”. De novo ela me deixou desconsertado e riu deliciada. Acho que a perspectiva de mexer com a minha cabeça a agradava mais do que a perspectiva de me beijar de verdade. Não sabia qual era a intenção dela, não sei mais o que pensei naquele momento, mas me vi puxando-a pelo braço e invadindo a boca vermelha com a língua. Encostei-a no carro e comprimi o corpo contra o dela, latejando dentro do jeans. Não pensava mais em nada, só a queria com furor, naquele minuto, não importava que alguém visse. Mas ela tinha outros planos. Desvencilhou-se, hábil, do meu abraço, recuou até uma distância segura e voltou a rir: “Eu perguntei se queria me beijar, professor, só isso”. E, fazendo uma careta travessa, foi embora, deixando-me ali, febril e incrédulo.

Durante toda a semana seguinte ela não compareceu às aulas, o que me deixou insatisfeito e irritado. Garota maldita, tirava a minha paz e me deixava assim, doido, esperando por ela. Mas a raiva passou toda quando recebi um bilhete dela, marcando um encontro à tarde. Cheguei ao local designado, o apartamento era de uma amiga, ela me disse depois. Abriu a porta e apenas me olhou com aqueles olhos de feitiço por muito tempo, para logo em seguida me puxar pelo braço pro sofá e não mostrar resquício de hesitação. Passei a tarde inteira dentro dela e acabei descobrindo que ela se instalou ainda mais fundo em mim. Estava apaixonado. O nosso relacionamento durou exatos oito meses, durante os quais estive completamente entregue, nas mãos dela. Adorava-a por horas a fio, não me cansava de olhar para ela, que era um mistério. Tinha rompantes de fúria e ria desbragadamente minutos depois. Num momento, ela zombava da minha paixão, dizia que eu parecia adolescente. E no momento seguinte me amava com ardência, deixando-me extenuado e feliz.

Lembro do fim como se tivesse acabado de sair daquele apartamento há poucos minutos, o mesmo da primeira vez. Passáramos a tarde entre os lençóis, como fazíamos sempre que podíamos. Deitado de lado, eu a olhava, conferindo cada detalhezinho daquele corpo adorado. A pequena cicatriz no ombro, a pinta sob o seio direito, o abdome reto e macio. Perdido em devaneios incautos, observei-a levantar-se da cama, lavar-se e vestir-se, sem olhar para mim. Penteava os longos cabelos lisos, quando a abracei por trás, pretendendo um carinho. Ela colocou as mãos sobre as minhas e olhou-me diretamente nos olhos através do espelho, como se me dissesse algo. Então eu vi. Na mão direita, uma aliança dourada brilhando absurdamente, ferindo-me os olhos e os sentimentos. Por um momento não compreendi. Ela virou-se para mim, tomou meu rosto entre as mãos e sussurrou: “Adeus”.


(desconheço autoria)

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